Os 35 anos da Unicamp.

A Intervenção

A fábula da institucionalização

“Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejavam dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar respeitável urubu titular, a quem todos chamam por V. Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito: “-Onde estão os documentos dos seus concursos?” E as pobres aves se olharam
perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com eles. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam, simplesmente... “-Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem”. E os urubus em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...”

“Moral da história: em terra em que urubu tem título, sabiá precisa de diploma para cantar”.

Rubem Alves